Prof. José Carlos Iglesias
Feriados os há em grande profusão em nosso calendário anual, alguns são de cunho religioso, sedimentados em nossas inegáveis raízes cristão-católicas, práticas e fenômenos que foram sendo incorporados na nossa cultura, que já não dizem mais respeito a uma prática religiosa, mas que são ainda mais que isto, passou a ser um produto social institucionalizado de indiscutível valor. Por conta de nossa formação positivista, os feriados ligados ao nacionalismo e patriotismo vêem sendo talvez os mais exaltados e solenes. Tais datas comemorativas estão sendo repetidas reiteradas vezes que acabam por serem até banalizadas, perdendo até seu sentido inicial, transformados em meros 'dias de lazer', justamente porque são conquistas já consolidadas, sem nenhum sabor ou necessidade de 'lutar' para ampliar seus horizontes ou consolidar conquistas ameaçadas por segmentos ultra-tradicionalistas. Já no que diz respeito à questão do Negro, não apenas no nosso caso, mas por todos os continentes onde eles foram explorados em sua vulnerabilidade e rebaixados às condições a mais torpe e oprobrioso de nossa putrefata cultura ocidental. Esta sim é uma luta ainda por ser consolidada, pois parece muito pouca coisa ter mudada do último decênio do século dezenove até nossos dias. Quando vemos uma triste realidade que vai da exclusão social, educacional, econômica, desembocando em resquícios de uma 'segregação cordial', onde convivemos com piadinhas sutis, mas que escondem no transfundo suas raízes muito profundas de intolerância e arrogância pela supremacia das pessoas de pele branca. No caso brasileiro tivemos um fenômeno transculturante de cunho europeizante onde já nascemos sobre os auspícios de valores excludentes da Idade Média, eis que nosso território foi dividido de início em Capitanias Hereditárias, os quais donatários as receberam da coroa com objeto a desenvolver e povoar as terras recém descobertas. Tal modelo, por sua própria essência nasce sobre a égide do privilégio, pois a hereditariedade é o ordenamento legal de posse e uso das terras alijando aos despossuídos. A este sistema fundiário tivemos sua substituição pelo regime das Sesmarias, as quais deram continuidade ao processo de privilégio das elites de então. Como os proprietários das terras não possuíam meios para desenvolverem seus imensos quinhões de terra, lançaram mão do que havia de mais próximo, que foi a tentativa frustrada da escravização de nossos indígenas. Valendo-se para isto, de artifícios os mais sujos possíveis, que terminou em vergonhoso genocídio. Pela índole indolente (o que é um valor, considerando as condições em que viviam) do nosso indígena, tal processo exploratório sucumbiu. Neste momento é que entra o processo de utilização do negro em nossa história, quando os fazendeiros passaram a adotar uma prática já largamente utilizada por outras culturas. Para atender a necessidade de mão-de-obra os senhores brancos, exploradores das atividades agrícolas passaram a comprar negros aos mercadores. Aos leitores desconhecedores das condições utilizadas para as 'importações' de escravos, remeto-os ao filme 'Amistad', de onde poderão formar opinião a respeito ao que foram submetidos milhares de pessoas negras (as quais não eram consideradas pessoas, mas coisas, passíveis de serem objeto de propriedade) para satisfazerem necessidades vergonhosas de outras pessoas de pele branca ávidas de lucro e bem estar, que tinham como regra ética que 'os fins justificam os meios'. Em 1850 tivemos a famosa 'Lei de Terras', preparada para alijar os negros da posse de terras, bem como os reservando como um 'banco de mão-de-obra' barata e a disposição. Pois já se sabia inevitável a libertação dos negros que ocorreu quatro décadas depois. Depois disto tivemos um processo de formação de favelas nas periferias das grandes cidades, selando até nossos dias o destino destes eternos desafortunados que pagam até hoje o pecado de possuírem a pele negra. Olhando para minha pele hispano/hebraica confesso sentir um imenso remorso, não de agora, mas muito velho, uma herança ancestral, uma necessidade de 'purgar a mora' por aqueles que não tiveram a devida consciência de reconhecê-los como nossos pares. Talvez por isto, 'não saber o que fazer', procurar agir sem hipocrisia ou pieguismo, buscar uma relação emancipatória, co-irmã, uma relação de simetria real e honesta, uma mútua troca de anfitriãnidade, ou sei lá como ou o que, talvez um poeta se saísse melhor, não um mero colunista que emite suas opiniões, muitas vezes infundadas. Sei lá, neste desabafo, meio envergonhado, uma vergonha histórica, impregnada em cada célula do corpo, meio sem-jeito, talvez o melhor remédio seja a atitude mui digna do Papa antecessor do atual, o João Paulo IIº que foi conhecido como o Papa do Perdão. Para muitos pode ser descabido pedir perdão pelos ancestrais, mas quando o peso chega até nós, creio não haver melhor remédio curativo de uma dívida atávica, para tanto, em nome daqueles que não se sentem bem com esta consciência pedimos nosso perdão ancestral aos nossos irmãos negros.
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José Carlos Iglésias é docente nas Faculdades UNICEN em Primavera do Leste, no curso de Direito. O artigo acima foi publicado no Jornal O Diário de Primavera do Leste, de 20/11/2006.
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