A hora do Ó
Izaias
Resplandes
“Ah, vovó! Só mais um pouquinho. Deixa eu ficar acordado
só mais um pouquinho”, respondeu Davi meio acordado, meio dormindo.
“Está bem, mas só até a vovó
fazer o seu mamá”. E lá se foi para a cozinha, enquanto seu avô Bigodão, escutando
tudo, pensava muito preocupado.
Ainda que estivessem vendo o
filme “Imagine Só”, que era muito legal, já estava quase na hora do Ó e todos
na sala já estavam cochilando fazia um tempão, pois não queriam estar acordados
quando ela chegasse. A bisavó Maria chega roncava de fazer tremer os bigodes: ROOOM,
ROOOOM, ROOOOOM... Seu ronco a cada tique-taque aumentava o tanto de Ó.
Naquela hora Bigodão deu uma
olhada no relógio da parede para ver as horas. E entre as vozes do filme e os
roncos da bisavó dava bem para ouvir a voz do relógio dizendo que já se aproximava
a terrível e temida hora do Ó.
Tique-taque, tique-taque, tique-taque...
Faltavam vinte vezes sessenta tique-taques para iniciar o quarto dia do ano primeiro
que vem depois dos quatro primeiros bissextos do século vinte e um. Contei nos
dedos, fiz a conta, mas o roncar da bisavó me fez errar.
Levantei. Fui até a janela e
olhei o tempo. Ouvi um trovão: TROÃO-VÃO-VRÃO-VRÃO-TROAO-VRÃO... O céu estava coberto por um véu mais negro que
o negro da noite sem lua. Vi que também não havia mais ninguém na rua. Todos
tinham ido dormir há muitos tique-taques atrás. Ninguém queria estar acordado quando
chegasse a hora do Ó.
Capitão Davi sempre soubera
o quanto a hora do Ó era perigosa. Desde os tempos em que ele e Bigodão exploravam
a Mata do Vô, que ele aprendeu que criança naquela casa deveria dormir cedo,
antes que chegasse a hora do Ó, a hora do pega pra cantá. Vovô Bigodão sempre
lhe dizia para tomar muito cuidado, porque quando chegasse a hora do Ó, ele não
deixaria ninguém escapar e pegaria todo mundo que estivesse acordado para
cantar com ele o terrível canto do Ó, em muitas e diferentes línguas, até não
poder mais cantar e cair no sono de cantaço, o cansaço de tanto cantar.
Na verdade, todo mundo lá gostava
de cantar. Na hora do almoço cantavam: “AO SENHOR AGRADECEMOS, ALELUIA! O
ALIMENTO QUE TEREMOS, ALELUIA!” Também
cantavam na hora da janta e em muitas outras horas. E todo mundo achava legal.
O problema era cantar na hora do Ó, porque a música que Bigodão inventava na
hora era uma música comprida e sem graça e que não acabava nunca, pois após se
cantar em uma língua, ele chamava para cantar em outra língua e outra língua e
outra... Aí ninguém conseguia dormir tão cedo, porque aquele Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró não saía
mais da cabeça. E quando a gente dormia, acabava sonhando com o canto e
acordando de novo. Era muito terrível!
E o vovô Bigodão começava:
Oh! Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró-Ró! Oh! Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró!
Vamos
cantar, ó bisavó: Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró.
Vamos
cantar neto da Vó: Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró.
Vamos
cantar Vovó, Vovó: Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró.
Agora
vocês. Vamos lá. Bis!!!
Oh! Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró-Ró! Oh! Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró!
Vamos cantar, ó bisavó: Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró.
Vamos cantar neto da Vó: Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró.
Vamos cantar Vovó, Vovó: Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró.
Agora é o canto do POCOTÓ!
Vamos
cantar, ó bisavó: PÓ-CÓ-PÓ-TÓ, PÓ-CÓ-PÓ-TÓ.
Vamos
cantar neto da Vó: PÓ-CÓ-PÓ-TÓ, PÓ-CÓ-PÓ-TÓ.
Vamos
cantar Vovó, Vovó: PÓ-CÓ-PÓ-TÓ, PÓ-CÓ-PÓ-TÓ.
Mais uma vez.... E assim
prosseguia, inventando outras rimas esquisitas com o Ó, desafiando os acordados
para repetir o verso do Ó que acabara de ser inventado.
E a partir de agora essa
vai ser a história do Ó, que afinal não tinha nada de mais, pois era apenas
isso só.
Oh, outro Ó! Então vamos
cantar: E ERA APENAS ISSO SÓ!
Vamos cantar, ó Bisavó: Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró.
Vamos cantar neto da Vó: PÓ-CÓ-PÓ-TÓ-
PÓ-CÓ-PÓ-TÓ.
Vamos cantar, Vovó, Vovó: QUE
ERA APENAS ISSO SÓ!
Aí encerrava o Vovô, dando
um Boa Noite para todos. Mas ninguém mais respondia. Todos imitavam a bisavó: ROOOM,
ROOOOM, ROOOOOM... E se alguém que até então não dormira de verdade, também a imitava até que dormisse, sonhando com aquele terrível canto do Ró-Ró-Ró e Ró-Ró-Ró.
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